Page 6 - PULSAR41
P. 6

Viver em Marte:

Como Produzir Oxigénio... E Combustível para Regressar a Casa

                                                      por Vasco Guerra e Tiago Silva

                                                                                Instituto de Plasmas e Fusão Nuclear, Instituto Superior Técnico

O  envio de uma missão tripulada a Marte constituirá            A atmosfera marciana é formada por cerca de 96% de
          um dos maiores avanços da aventura espacial           CO₂, que é assim o seu principal constituinte. Conta ainda
          nos próximos anos. A criação de um ambiente           com aproximadamente 2% de Ar e 2% de N₂. O abundante
respirável no planeta vermelho será um dos grandes              dióxido de carbono é o recurso de interesse, já que pode
desafios a ultrapassar. Em princípio será possível obter        ser utilizado como matéria prima para produzir localmente
oxigénio através da conversão do dióxido de carbono             oxigénio, que pode depois ser recolhido e utilizado para
existente na atmosfera marciana. E uma nova solução             respirar. O processo baseia-se na decomposição do dióxido
para o conseguir está em desenvolvimento: baseia-se em          de carbono em monóxido de carbono e oxigénio e a sua
tecnologias de plasmas.                                         concretização dará um enorme impulso ao estabelecimen-
                                                                to de uma colónia no planeta vermelho. Este processo de
  A exploração especial está a iniciar uma nova era, com        decomposição vem com um bónus: para além de garantir
Marte na agenda. As maiores agências espaciais – como           um abastecimento regular de oxigénio, pode assegurar a
a ESA (Europa), NASA (EUA), Roscosmos (Russia) ou a             produção de combustível! Com efeito, já foi proposto uti-
JAXA (Japão) –, por vezes em parceria com companhias            lizar oxigénio e monóxido de carbono como carburantes
privadas, têm em curso ou apresentaram recentemente             para foguetões [1]. Pode ainda imaginar-se um processo
programas muito ambiciosos de exploração de Marte.              de decomposição que vá até à produção de carbono, que
                                                                poderia ser usado como elemento de construção de difer-
  Uma missão a Marte será um empreendimento ex-                 entes estruturas de carbono e de moléculas orgânicas.
traordinário. A distância entre a Terra e Marte varia entre
55 e 400 milhões de quilómetros, dependendo da posição            A molécula de CO₂ é muito estável e, como tal, muito
dos planetas nas suas órbitas. A conjugação correcta das        difícil de decompor. Por outras palavras, a dissociação do
trajectórias implica que existe uma janela de lançamento        CO₂ é um processo fortemente endotérmico, que requer
óptima aproximadamente a cada dois anos, correspond-            a utilização de uma quantidade apreciável de energia (pelo
ente à trajectória de transferência de órbitas de Hohmann.      menos 5.5 eV). A tecnologia existente hoje em dia para a
                                                                dissociação do CO₂ baseia-se em células de electrólise de
Figura 1: Trajectória da nave especial ao longo da transferên-  óxido sólido (SOEC – Solid Oxide Electrolysis Cells), que é
cia de órbitas de Hohmann, correspondente à órbita que requer   uma tecnologia robusta e estabelecida. No entanto, utiliza
menor energia. As janelas de lançamento são periódicas, depen-  frequentemente materiais raros e caros e a sua eficiência
dendo do período sinódico, que é de 780 dias no caso de Marte.  energética é muito baixa. Apesar destes inconvenientes, a
                                                                NASA enviou em 2020 uma empolgante missão a Marte
  A viagem dura cerca de 6 meses. Para regressar numa           que inclui uma experiência ISRU de produção de oxigénio
órbita semelhante, os astronautas teriam que ficar cerca        (MOXIE) [2]. O MOXIE é transportado pelo rover Pers-
de um ano em Marte. Evidentemente, quaisquer recursos           erverance, que aterrou em Marte em Fevereiro de 2021!
locais que possam ser utilizados irão reduzir a logística e     Soluções biológicas, baseadas em algas ou bactérias, são
os custos da missão, aumentar a auto-suficiência e reduzir      de momento puramente especulativas. Uma equipa do
os riscos para a tripulação. Daqui resulta o interesse actu-    Instituto de Plasmas e Fusão Nuclear (IPFN) do Instituto
al na utilização de recursos in-situ (ISRU – in-situ resource   Superior Técnico (IST) propôs recentemente uma solução
utilization), a recolha de recursos no local de exploração      radicalmente diferente, baseada na utilização de plasmas
que de outro modo teriam que ser trazidos da Terra.             de baixa temperatura [3,4].

                                                                Porquê Plasmas?

                                                                  Os plasmas de baixa temperatura são gases ionizados
                                                                onde apenas uma fracção do gás está ionizada. As várias
                                                                partículas – electrões, iões positivos, iões negativos, áto-
                                                                mos e moléculas neutros e fotões – têm propriedades e
                                                                energias muito diferentes. Os electrões são leves e por
                                                                isso fáceis de acelerar por aplicação de campos eléctricos.
                                                                Tornam-se muito energéticos e criam, por colisão com out-
                                                                ras partículas, várias espécies químicas reactivas. Por seu
                                                                lado, as moléculas e átomos neutros do gás mantêm uma
                                                                temperatura suficientemente baixa para limitar as perdas

6 PULSAR
   1   2   3   4   5   6   7   8   9   10   11